Você é o que você viaja

Por Tatiana Nicz*

Para a ciência há três tipos de memória: a ultra-rápida, que dura mais que alguns segundos, a de curto prazo, que nos proporciona o sentido do presente e a de longo prazo, que estabelece engramas – traços duradouros. Segundo os cientistas, se não houvesse esta forma de armazenamento mental de representações do passado, não teríamos uma solução para tirar proveito da experiência.

É por meio das memórias que vivenciamos, experimentamos e aprendemos. Elas formam a base do enorme quebra-cabeças que é nossa trajetória pessoal. Tudo que vivenciamos ao longo de nossa existência nos faz aprender, crescer, mudar, evoluir. Enfim, é nossa bagagem de vida que define quem somos.

Crescemos escutando frases do tipo: “diga-me com quem andas e te direi quem és” ou “você é o que come ou o que veste”. Eu completaria dizendo: você é aquilo que você lembra, suas memórias, os engramas estabelecidos. E iria mais longe: você é aquilo que você viaja. Os lugares por onde passou, culturas que conheceu, comidas que experimentou, imãs de geladeira, cartões-postais, ruas e ruelas, museus, estradas, aeroportos, fotos, histórias – tudo que trouxe em sua bagagem.

Hoje, revirando caixas e fotos antigas na casa de meus avós, parei longamente nas fotos de viagens de meus avós e meu tio. Antigos passaportes e carimbos de todos os lugares em que estiveram. Não contive as lágrimas e me pus a refletir: nós somos mesmo o que viajamos!

Do meu tio e padrinho, sei muito pouco. Quando faleceu, eu tinha apenas cinco anos. Sei que ele era especial, querido por todos e que se foi muito jovem. Mas o que eu mais conheço dele vem dos lugares por onde andou. Entre tantas praias, gostava de ir para Ilha do Mel e Farol de Santa Marta. Fez uma desbravadora viagem pela Europa e Ásia. Passou meses na Índia e caminhou pelo Nepal.  Tinha uma mania curiosa: mandava postais para ele mesmo para, acredito, ter o prazer de viver a viagem de novo quando retornasse.

Minha avó, recentemente falecida, era uma pessoa muito lúcida, lembrava bem os fatos de sua vida e contava com alegria detalhes de cada viagem que fez. Países da Europa que visitou, as diversas vezes que esteve na Argentina, a subida – de burrinho – da ladeira em Santorini. Apaixonada por viagens, ela tinha uma coleção de imãs de geladeira. Todos da família contribuíam com a coleção, trazendo imãs de suas viagens. Virou tradição na família. Família, aliás, formada por amantes desse ato tão enriquecedor que é viajar. Somos bons e velhos viajantes do mundo.

E até hoje, quando visito meu avô, uma de minhas diversões preferidas é resguardar uns minutos para olhar os imãs e imaginar todos aqueles mundos tão distantes e diferentes. A antiga geladeira branca abriga imãs do mundo todo; lugares exóticos, comuns e inusitados. Imãs de todas as cores, tamanhos, formatos e sabores trazem um pouco da história de cada lugar. São tantos que mal cabem na velha geladeira. Volta e meia minha avó os remanejava, colocava novos, guardava antigos, depois voltava a colocá-los numa dança contínua e infinita de mundos distantes. Era sua diversão trocá-los de lugar, descobrir a harmonia perfeita entre eles. A minha, até hoje, admirá-los.

Viagens fazem parte das poucas memórias que conseguimos carregar conosco para sempre. Vencem a barreira do tempo, da lucidez e da idade. Vencem também as barreiras da vida, pois são memórias que nos fazem ser lembrados pelos que ficam e pelos que ainda estão por vir. São os links mais fortes com nosso passado e o que nos mantém vivos mesmo quando partimos para nossa mais longa e misteriosa viagem. As viagens são os nossos mais valiosos trunfos de momentos bem vividos. As melhores fotos que tiramos de nossa vida, aquelas que guardamos eternamente e que constituem nosso mais valioso presente para o mundo: a nossa memória.

*Tatiana Nicz que sonha em um dia seguir as memórias do seu padrinho pela Asia.

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3 Respostas

  1. Ana Izabel

    Aí, garota!!!!! Gostei muito do que vc escreveu.É isso aí mesmo, nossa vida se torna ainda melhor se nós conseguimos armazenar somente lembranças e sentimentos positivos, assim nos tornamos seres humanos melhores e mais felizes. Vc escreve muito bem e as fotos estão lindas. Parabeeeeens!!!! Um beijão, da sua madrastinha.

    novembro 11, 2010 às 4:30 pm

  2. Vinicius

    lendo o post anterior e agora o seu, lembro q as marcas de uma viagem ficam mais impregnadas na nossa memória qd a partir da experiênciar de viajar conseguimos unir vários sentidos… qd é possível misturar o olhar, com o sentir do gosto, do cheiro, dos sons e tato as caixinhas da nossa memória aparecem e reaparecem com extrema força!! Viajar é mesmo a melhor forma de viver todos os sentidos de um experiência…. de verdade!! bem legal o texto!!!

    novembro 23, 2010 às 1:29 pm

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