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Da arte de degustar a paixão

Por Fernanda Nicz

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(MÚSICA INSPIRADORA! Passione – Thais Gulin)

Primeiro se marcha e o mar se abre ou deve-se esperar o mar se abrir para dar início à caminhada? No primeiro caso, o ser é ativo; no segundo, passivo. O primeiro ousa, assume o comando. O segundo aguarda condições perfeitas (existem?) para começar a se mexer.

Em se tratando de amor ou paixão: primeiro se deixa atrair e a paixão, consequentemente, vem à tona ou deve-se esperar atrair para então se permitir enamorar?

Todas as coisas são criadas duas vezes. As paixões também. A visão é a primeira criação. Dizem que só os heróis sabem suportar a visão. A visão é transformadora. É lá, no olhar, que nasce a atração – dos que se deixam atrair (dos ousados lá do primeiro parágrafo). Depois, o desejo invade a imaginação. E na seqüência, na mente, num primeiro momento, o desejo se concretiza. As coisas se criam dentro do ser para depois, frágil, ou inevitavelmente, se estender ao espaço físico e concretizar-se. Ou não. Mas quase sempre sim. Acredito que se o sentimento é de verdade, sim, vai extrapolar sonhos e invadir a vida real (para alegria – e merecimento – dos ousados lá do primeiro parágrafo). E tudo passa a existir em diferentes formatos. A paixão não vem em câmera lenta, muito menos premeditadamente. Ela simplesmente vem.

Alguns seres não lidam muito bem com a criação das coisas/paixões na visão, imaginação e mente. Atropelam tal fase. Mas continuemos a falar dos que apreciam e se permitem degustá-la. Estes conseguem até mesmo prolongá-la. Conseguem unir visão, imaginação e fatos concretos. Quem se deixa atrair quando menos se espera vive mais leve, pleno. Vive cada momento de paixão como se fosse o último; degustando.

Os que não conseguem entender a arte da verdadeira degustação da paixão fazem questão de jogar: esperam – já que não se permitem deixar atrair – atrair outro ser. Querem sentimentos prometidos, certeza do que está por vir.  São pesados. Freiam. Morrem de medo da leveza. A insustentável, mas necessária leveza do ser. Não acreditam que a paixão pode ser fácil, simples e deliciosa ao mesmo tempo.

Num mundo em que os seres têm tanto medo da perda, existe um excesso de muralhas protetoras contra o mergulho na alma de outro ser. Complemento: num mundo preocupado em se defender, receoso da dor, o permitir-se viver (entregar-se) soa ingênuo. Assustador.

Felizmente há os destemidos. Estes degustarão da paixão. O mundo talvez não os entenda. Nem eles. Mas enquanto o mundo se preocupa em julgá-los, eles, os amantes, que também não sabem ao certo, o quanto se querem ou o que vem depois; ocupam-se em viver. Criam um mundo particular, em que o tempo é coadjuvante, secundário. O que predomina são momentos bonitos e, principalmente, verdadeiros, às vezes, bastante espaçados – duram tempo suficiente para que sintam saudade. Isso é bom, faz parte da degustação da paixão. Eles se querem. São leves, felizes. Não usam códigos ou freios ou frases feitas. Não se preocupam em agradar, naturalmente se agradam. Aproximam-se, como imã. Simplesmente e deliciosamente. E basta.

E mesmo que o tempo leve (separe fisicamente os dois), a paixão continuará a vibrar (na imaginação e na mente), quem sabe, por telepatia, até que certo dia, de presente – por terem marchado mesmo sem o mar se abrir – estarão perto, num mesmo momento. Sim!  As coisas boas e de verdade, – aquelas mais lindas e doces – são de quem ousa marchar sem ter certeza se o mar vai se abrir ou não.  As paixões mais bonitas, sinceras e intensas são presentes àqueles que não têm medo de sorrir e simplesmente dizem sim, eu quero. Eu topo degustar a paixão em todas as suas fases. Simples assim.


Da vulnerabilidade

Por Fernanda Nicz

 

Enquanto tudo pulsa e flui normalmente no corpo de cada ser, pequenas questões diárias lhes ocupam a mente. Começa cedo. Acordar ou dormir mais um pouco? Onde almoçar, que livro ler, que vinho beber, viajar pra onde? Dizer que ama hoje ou adiar mais um pouco? Mudar de emprego, começar do zero agora ou adiar o desejo? Questões diárias, latejantes, pendentes. Mil coisas na cabeça, idéias em mente.

Mas de repente, questões diárias, latejantes, pendentes, coisas e idéias perdem a força. De repente, o que passa a latejar incessantemente é uma parte do corpo. Uma estranheza física, uma enfermidade que passa a ocupar a mente, dia e noite, constantemente.

O ser se vê vulnerável, frágil, entregue, desprotegido, carente. A dor física desacelera ritmo e rotina. Torna questões urgentes, secundárias. Enfraquece um pouquinho a alma. Faz parar pra pensar. Vulnerabilidade.

Vulnerabilidade: condição de risco em que uma pessoa se encontra. Conjunto de situações e sensações que colocam o ser em condição de carência, impossibilitado de responder com seus próprios recursos a dada demanda que vive e o afeta. Sensibilidade aguçada, fraqueza física.

Algo em que nunca se pensa ou perde-se tempo pensando sobre. O corpo pede atenção. E a concentração do ser muda de direção. Dói, incomoda. A máquina – o corpo – detecta algum problema. Funciona diferente e transforma tudo ao redor. Assusta. E o ser passa a observar mais. Há cautela, cuidado.

Creio que o corpo adoece apenas quando tem algo para comunicar à mente. E enquanto o corpo lateja, deve-se dedicar tempo ao entendimento do recado. Há que se entender utilidade e função da enfermidade. Não há como fugir. Há que se viver dor e desconforto. Faz parte, vem tudo agregado. O corpo suplica, pede um tempo. E, caso ignorado, certamente repetirá tudo brevemente. O corpo tem essa mania: escancara, insiste, até ser ouvido e atendido.

E, fato: a entrega absoluta, hora ou outra, trará à tona, momentos assim. Incomodará o corpo. Força, vontade, gana, intensidade, coragem e liberdade tem seu preço. Quem abraça o mundo com toda a força corre o risco de quebrar algumas costelas. Quem viaja pra muito longe, corre o risco de se perder.

Mesmo no caminho e no lugar certo, provas aparecerão no meio da estrada. Assim que avistá-las, pare. Pondere. Dê tempo ao tempo. E com o tempo, retome a estrada. Talvez com menos agressividade. Sem tanta gula. Com equilíbrio. Olhos atentos, discernimento. Foco. Fé.

A saber: vulnerabilidade sempre vai existir. E como li numa curva da estrada: Ser guerreiro não exige perfeição. Ou vitória. Ou invulnerabilidade. Um guerreiro é vulnerabilidade absoluta. Essa é a única coragem de verdade.

E mais: o que não mata, fortalece.


Das provocações

Da comoção oferecida por cada lugar. Da bagunça que provocam na gente, os que ali vivem. Do adentrar, do permanecer, do partir. Da arte da convivência. De pessoas, lugares e saberes. Da função do educar; libertar.

Assim como há cidades de paisagens (esteticamente belas), há as cidades de gente (humanamente belas). E São Paulo, sem dúvidas, é uma cidade de gente. De contatos, relações. De educadores, de aprendizes.

Estes quase cinco meses que estou por aqui parecem uma eternidade de aprendizado. Desde que cheguei, – em fevereiro – mudei de casa três vezes. Neste tempo convivi com muitas pessoas, muitos egos diferentes. Sinto como se estivesse colocando à prova, o tempo todo, meu conhecimento, minhas crenças. Sinto que a toda hora, minha paciência, tolerância, perseverança e compaixão são testadas. Os milhares de egos que esbarram em mim todos os dias parecem surgir para contribuir com a reconstrução de mim mesma.

Pois sim, a vida impõe desconstrução e reconstrução constantes. Como bem diz Viviane Mosé no livro O Homem que sabe; o princípio da vida é o devir, ou seja, o vir a ser, a transformação, a mudança. Tudo que alguma vez teve propriedade definida experimenta a desintegração destas mesmas propriedades. O mundo nunca começou nem nunca vai acabar. É um eterno vir a ser. Todas as coisas trazem em si mesmas o seu contrário. É do eterno conflito dos contrários que nasce o devir: o dia se torna noite, o quente, frio.

É assim que sinto. Vivo de conflitos de contrários. Observo questões a partir de diferentes perspectivas. Mosé fala disso; da importância de perceber o que cada situação manifesta e o que oculta, onde se desdobra. Pessoas fazem isso com pessoas: estimulam o saber, o querer, o sentir. E no momento seguinte pode acontecer de provocarem exatamente o contrário. Conflito necessário, provocador.

Provocação provocada pela convivência. Convivência que amplia o pensamento e provoca o ir e vir. Depois; o devir, o reconstruir-se. Sinto isso. Sinto a vida potencializar-se. Sinto vida.

Segundo Viviane Mosé, este é o caminho: um pensamento mais amplo, capaz de dar conta de nossa necessidade de querer e de nossa liberdade de sentir.

Mas há o medo e a preguiça. Há os que temem os aborrecimentos que lhes seriam impostos por uma honestidade e uma nudez absolutas (lembro do livro e da peça A Alma Imoral). Por sorte, por aqui, certamente em algum momento estes seres irão esbarrar em artistas. E artistas detestam o andar negligente, com passos contados, modos emprestados e opiniões postiças.

São Paulo oferece artistas. Artistas comovem e convivem. A convivência bagunça alma e sentidos. Cria conflitos internos. Amplia, educa; liberta. “E como pode ser desesperada e desprovida de sentido a vida sem esta libertação!” (Viviane Mosé).

Por fim, mais uma provocação da Viviane que muito tem me inspirado ultimamente: “há no mundo um único caminho sobre o qual ninguém, exceto tu, poderia trilhar. Para onde leva ele? Não perguntes nada, deves apenas seguir este caminho”.


Das viagens internas – o frágil aprendiz

Ele não sabe por que veio. Abriu os olhos e sentiu-se pequeno diante dos adultos à sua volta. Quem me trouxe ao mundo? O que devo fazer por aqui e por quanto tempo? Por onde começar?

No início, contou com dois guias que o levavam para vários lugares e pessoas. Encantava-se a cada novidade. Cada curva na estrada representava um desafio. Sentia-se frágil – devido ao seu tamanho –, mas protegido. Não entendia muito bem as conseqüências de seus atos. Sentia e, antes de pensar, agia.

O tempo passou e ele cresceu. A fragilidade do tamanho já não existia. Em seu lugar, nasceu a fragilidade da alma. O pequeno frágil aprendiz tornou-se eterno frágil aprendiz. Ele, que pensava que o tamanho o tornaria forte e menos vulnerável, surpreendeu-se. Era grande e sentia-se fraco a cada momento em que se deparava com outro ser que o encantava. Sentia-se frágil diante de situações que fugiam ao seu domínio. Sentia-se frágil em meio a prédios enormes e barulhos incessantes. Não tinha outro jeito de seguir em frente: precisava reconhecer suas fraquezas, enfrentar e vivenciar medos e anseios.

O que devo fazer por aqui e por quanto tempo? Por onde começar? Ele pensou que teria respostas breves, facilmente. Não. Hoje, ele repete as mesmas perguntas a cada virada ou mudança de rumo. Mas como eterno aprendiz que é, compreende que não precisa de respostas prontas. Preocupa-se mais em sentir-se vivo. (sentir-se vivo: entregar-se. Estar disposto a viver alegrias e tristezas na mesma intensidade, mas sempre viver as emoções de verdade, com a alma).

E segue em constante aprendizado. No momento, vivencia o mais difícil deles: ponderar sobre o sentir. Cuidar do sentir. Parar para pensar nas conseqüências das ações que decorrem do sentir. Ajeitar tudo que borbulha por dentro. Abrir mão de alguns desejos. Aprender a viver certas emoções sem exteriorizá-las. Agir conscientemente. Compreender o que, de fato, faz parte da busca e renunciar aos desvios que surgem ao caminhar. Difícil missão, afinal, segundo Clarice Lispector, perder-se também é caminho.

Mas ao entender sua condição, o ser humano prioriza sua evolução. Hoje, aquele serzinho pequeno e frágil, é gigante, quer abraçar o mundo. E quando olha à sua volta se assusta com tamanha imensidão e se empolga diante de tantas possibilidades. Aí sente. Depois, respira e observa. E sim, hoje, ele pode dizer que vivencia lutas internas entre razão e emoção (pensar e sentir) e acredita que um dia, quem sabe, ambas ocuparão o mesmo espaço dentro dele. Ou não.

Enquanto uns sentem demais, outros pensam demais. E duas coisas são certas: cada um tem seu valor e cada um tem um cantinho no mundo pra ficar no qual fará toda a diferença.

 


Da busca por um lugar que faça sentido

Por Fernanda NIcz

 

Anteriormente falei da importância de perceber a hora certa da mudança, do momento de dar uma guinada na vida. Agora, passado um tempo, compreendo melhor a importância da troca de lugar, de cidade. Tudo faz sentido.

Ir e vir sugere movimento.  Perder-se também é caminho. Viver indo e vindo não significa estar perdido, mas estar buscando. Movimentar-se é descobrir-se em posições e lugares diferentes. Quem é você por aqui, como se sente por lá? Desconstruir-se é ato de coragem, mudar de idéia, rumo ou lugar faz parte da busca.

Muitos vivem em lugares que não gostam, não acreditam ou lugares em que, simplesmente, todas as possibilidades se esgotaram. Foram felizes ali, hoje já não sabem se são; estão. Acomodação dificulta a evolução.

Percebi que não estava no “meu lugar” meses atrás. Nada acontecia e nada eu fazia acontecer. Faltava vontade. Chegou um momento em que percebi que tudo estava estagnado dentro e fora de mim. Eu não acreditava mais nas possibilidades daquele lugar. Gosto de lá e adorei viver por lá grande parte da vida. Mas percebi que passou, já não era mais. Nada é eterno e permanente, nem o ser humano o é, por que os lugares tem de ser?

Nem as pessoas nem as possibilidades combinavam mais com meus valores e com o formato de vida que desejava. Gosto das pessoas de lá, de verdade. Nem elas estão erradas ou certas, nem eu. Apenas somos diferentes, ou melhor, neste momento, buscamos e valorizamos coisas diferentes.  Isso não é ruim. São fases da vida. É o que nos move.

E então vim para o lugar em que acredito. O lugar que fala por mim. Vim viver perto de amigos que pensam parecido, valorizam as mesmas coisas – vivem momentos semelhantes. Vim para o lugar que mais pode me oferecer boas oportunidades nesse momento. É incrível como as coisas acontecem quando se está no lugar que gostaria de estar, no lugar em que você acredita, perto de gente que você admira. A vida flui; leve.

E não adianta o mundo inteiro contrariar e achar um absurdo você trocar uma cidade por outra. Em momentos assim, não importa a opinião alheia, o que conta é o que você sente. Lá eu não sentia; aqui eu sinto. Lá eu não enxergava algumas coisas; aqui quero abrir bem os olhos para ver tudo. Lá o tempo parecia não passar; por aqui, os dias são intensos. Como li no Melodia das coisas, do Rainer Rilke (meu preferido); “de repente seus dias estavam cheios, e apesar disso Tragy passa por eles com maior facilidade do que antes, quando eram vazios…”

Por quanto tempo? Não sei dizer agora. A única certeza que tenho é que muitas portas estão se abrindo e muitos episódios ainda estão por vir. E quando as possibilidades por aqui se esgotarem não terei problema algum em mudar novamente. Afinal, como li em algum lugar deste mundo; viver é como andar de bicicleta; para manter o equilíbrio é preciso estar em movimento.

 

 

 


Além da capital paulista

*Fernanda Nicz

 

Gosto de lugares em que o novo não se esgota e elementos surpresas surgem sempre no caminho. Lugares que surpreendem e acrescentam. O estado de São Paulo vive fazendo isso comigo, é surpresa atrás de surpresa.

Desde que me mudei pra sampa, – pela segunda vez na vida – no Carnaval, cada dia tem tido um encanto diferente. Se não é o acolhimento e a parceria dos paulistanos, são os lugares novos que eles, meus amigos paulistanos, apresentam.

Há um tempo, fiz uma viagem deliciosa pela estrada Rio-Santos, devagar, conhecendo um pouco de cada pedaço da parte paulista. O litoral norte de São Paulo tem muiiita praia – e não se trata apenas de quantidade não, mas de qualidade. São Sebastião tem em torno de 30 praias, Ilhabela; 42 e Ubatuba; umas 70. Conheci um pouquinho de São Sebastião e um pouquinho de Ubatuba.

No último fim de semana surgiu um convite para conhecer Ilhabela. Irresistível. A ilha tem 92% de sua vegetação (Mata Atlântica) preservada e é conhecida como a capital nacional da Vela. Além da variedade de praias, tem também 200 cachoeiras espalhadas por seus 130 km de costa. Muita coisa pra conhecer em um único fim de semana.

Consideremos esta primeira viagem como um aperitivo, um reconhecimento de área para as viagens que ainda virão. Ilhabela merece ser desbravada aos poucos, merece a demora do olhar, a despreocupação com o tempo. Há as praias do sul e as do norte. A dos Castelhanos é a maior enquanto a do Bonete é considerada uma das mais belas do Brasil.

Em dois dias conhecemos as praias mais recomendadas de cada lado: no sul; praia da Feiticeira e no Norte; Jabaquara (minha preferida). Pouca gente, mar calmo, sem ondas, quase transparente (sim, lembra algumas praias da Bahia mesmo), temperatura perfeita (nem tão quente como na Bahia nem tão gelada como em Santa Catarina).

Além das praias, do centrinho, e todos os outros atrativos locais, destaco ainda; a charmosa casinha –super antiga – em que nos hospedamos do avô de um amigo e as pessoas que fizeram parte da viagem. Os amigos dos amigos paulistanos super bem-vindos; uma americana, duas italianas, um francês e a família querida do nosso anfitrião, inclusive as duas dogs; Preta e Mel. Fim de semana perfeito.

Os paulistanos merecem o litoral lindo que tem. A vida na capital impõe um ritmo de vida frenético – mas sempre interessante – que coloca as pessoas em movimento. É uma busca constante. É a busca necessária a todo ser humano; vida financeira estável, qualidade de vida, conhecimento cultural. Aqui se vive em busca de mais aprendizado, mais cultura, aperfeiçoamento. É necessário caminhar, seguir em frente pra não ficar para trás. São Paulo acrescenta, obriga a evoluir. E nos fins de semana e feriados; um litoral enorme e variado para aquietar a mente, descansar o corpo e repor energias. A natureza é sábia e a geografia de cada lugar, feita sob medida para seus habitantes.

*que pretende equilibrar muito trabalho na capital paulista com muitas viagens ao litoral norte.


Atendendo a pedidos: mudanças

*Fernanda Nicz

O mundo é gigante. As possibilidades e os caminhos; infinitos. Há lugares visitados e esquecidos, há lugares que não saem da gente. Além de Curitiba, morei no Rio de Janeiro e em São Paulo, passei um tempo em Londres e na Carolina do Norte. Curitiba será sempre minha casa, voltarei pra visitar sempre. Não gosto dos Estados Unidos, adoro o Rio, sou apaixonada pela Europa e tenho um caso de amor – eterno – com São Paulo.

Sempre que posso, escapo pro Rio de Janeiro. E quando estou podendo um pouco mais, fujo um pouquinho pra Europa. Quero conhecer cada pedacinho do continente europeu. Não apenas as capitais e as cidades turísticas, mas principalmente o interior de cada pais, as cidades medievais, os vilarejos, as praias, as estradas.

E São Paulo?
São Paulo assusta, intimida. São Paulo é cruel, acelera e fascina. Não sei explicar ao certo. Sou apaixonada pelos paulistanos e pelas possibilidades que a cidade oferece. O tempo que vivi por lá foi uma das épocas mais felizes da minha vida. Só conheci gente interessante em São Paulo até hoje. Pessoas com muita essência, amigos de verdade. É surreal confessar isso, mas São Paulo me cura. Cada vez que passo um tempinho por lá, volto mais feliz, renovada. É meu espelho. Lá, nada é mais ou menos. São Paulo acrescenta. E tudo que acrescenta me interessa.

Estava justamente em busca do que me acrescenta quando li num livro que não precisamos escolher entre as opções que estão a nossa vista apenas…. podemos sim, voltar o olhar para dentro e perguntar o que de fato queremos, desejamos. Pode ser que o que buscamos de verdade não esteja exposto, perto, a vista, mas esteja lá, escondido, no fundinho da alma.

E esta é a razão da minha mudança, do meu recomeço; ao voltar meu olhar para dentro em busca de algo que me traga o novo, o essencial e, o mais importante, o que acrescenta, descobri que devo mudar de cidade. Vou pra São Paulo…já defini a data e tudo.

Fim de ano faz isso com a gente. Faz pensar, ponderar e avaliar; estou onde gostaria de estar? As possibilidades que existem por aqui condizem com meus objetivos e valores? Estou feliz?

É chegada a hora de organizar pensamentos e idéias, reafirmar valores. Escolher a estrada, definir o rumo e seguir um caminho. Arrumar as malas. Desapegar. Levar apenas o necessário. Recomeçar. Levar principalmente muita coragem e vontade. Disposição. Deixar um mundo de conforto e segurança pra trás, virar andarilho e adentrar um mundo desconhecido, novo, mas extremamente fértil e necessário.

O fato é que o mundo pede coragem. Ano novo sugere renascimento e mudanças fazem bem à alma. Não é fácil, já que pouca vida nova pode surgir sem que ocorra um declínio na que havia antes. Mas o que se teme pode fortalecer. Como li num livro: “a verdade é que não existe a sensação de se estar completamente pronto ou de ser aquela a hora certa de mudar. Não existem palavras que estimulem a coragem.” Existe um apelo da alma, um chamado que vem de dentro e pede mudança. Existe a intuição afirmando que é preciso ir. A partir daí é torcer para que dê certo e saltar no abismo. E acredite; ouvi dizer que na estrada aberta da transformação já há um lugar a nós destinados. Portanto; coragem!

Aproveite a energia que paira no ar nessa época, volte os olhos para dentro e encontre o pedido de ano novo da alma. A voz dela é certeira. Talvez a mudança a ser feita não seja de cidade, mas alguma outra mudança que está lá esperando para ser feita há tempos.

Enfim, o importante é sempre estar a caminho, atento aos chamados internos e em constante evolução, afinal, não somos árvores para ficarmos enraizados no mesmo lugar – cidade – durante uma vida inteira.

Quero ver tudo o que há pra ser visto. Meu momento agora é São Paulo, qual o seu?

* que acredita que nunca é tarde para atender aos anseios da alma, mudar o rumo e caminhar em direção ao novo…


O tempo de cada um

Por Fernanda Nicz*

Ele é soberano. Falta e sobra. Acelera e para. Ajuda e atrapalha. Escorre pelas mãos. Ou não. Tempo, tempo, tempo, tempo. Ajustar-se ao “todo poderoso” tempo é uma arte, entre as tantas da vida.

Tempo certo. Tempo suficiente. Quanto tempo nos resta? Cuidado: o tempo atropela sonhos. O tempo concretiza sonhos. Depende.

Depende de como se trata o tempo. Depende do que se prioriza e do que se escolhe pra viver em determinado espaço de tempo. A organização do tempo. As prioridades. As escolhas. Para alguns, o verbo que melhor define o passar do tempo é envelhecer, para outros, amadurecer. Depende. A medida da duração da vida está no olhar.

Enquanto alguns observam o tempo passar, distraídos, adquirindo cada vez mais bens materiais, outros vivem cada dia como se fosse o último: não adiam sonhos e vivem o tempo presente em sua plenitude. Estes últimos cercam-se de coisas que ninguém lhes tira; estudos, amigos, amores, viagens. Já os primeiros, são escravos de tudo que consomem – orientados pela mídia – e dos valores impostos pela sociedade. Uns vivem. Outros perdem tempo. Depende, novamente, do olhar de cada um.

Quanto tempo deve durar uma viagem? Qual o tempo certo para degustar um vinho? O tempo de um abraço? O tempo pra despertar uma paixão? O tempo pra esquecer alguém?

Depende. Uma viagem dura o tempo suficiente para provocar alguma ruptura; proporcionar mudanças internas ou externas, despertar algo desconhecido até então. Para saborear um vinho, cada ser tem seu ritmo. Abraços podem durar um segundo ou quem sabe horas. Já o tempo pra despertar uma paixão ou esquecer alguém, varia muito e depende de diversos fatores inerentes à singularidade de cada ser humano.

Cada coisa tem seu tempo? Decifrar o tempo das coisas é uma arte. Perceber quando algo pulsa e vive e da mesma forma perceber que algo já não pulsa e não mais existe requer sensibilidade. Há o tempo de viver um amor e há o tempo de sair de cena. Percepção ajuda a decifrar os tempos.

Fazer o tempo parar também é arte. O tempo da contemplação. Transformar ritmo acelerado em câmera lenta. O tempo dos filmes. Prolongar o tempo da viagem. Desacelerar. Prolongar bons momentos ou fazê-los parar requer prática, delicadeza e paciência.

E voltar no tempo? Repetir ou voltar no tempo é coisa de música, televisão e internet. Repetir milhões de vezes a música ou a cena preferida. Voltar no tempo é coisa da mente também. A mente te leva pra onde quiser. Coisa de sonho. Sonho de tempo.

E quando o tempo parece parar e quando parece voar? Coisas que mexem com nosso tempo; as fases da lua, o tempo lá fora, os humores, o tempo dentro da gente. A diferença entre o tempo dos homens e o tempo das mulheres. Elas parecem se adiantar emocionalmente e eles fisicamente. Descompasso que gera outro tipo de arte; a convivência.

O tempo de viagem. Uns vão de avião pra não perder tempo, outros vão de trem pra contemplar a viagem – paisagens, companhias, entre outras coisas – com tempo. Uns andam de carro para, entre outras coisas, proteger-se do tempo, outros andam de bike pra sentir o tempo – vento, sol ou chuva no rosto.

O que você anda fazendo com seu tempo? Não assista passar e nem espere o tempo que há de vir. Quem sabe ao certo quando e quanto virá? Ainda dá tempo. Sempre há tempo pra olhar pra dentro e mudar seu tempo.

*que aos poucos está aprendendo a lidar melhor com o tempo e usá-lo a seu favor.


Ritual do Voo Duplo

Por Fernanda Nicz*

Continuo acreditando na riqueza que só o voo solo proporciona. Mas essa crença não cega meus olhos e me permite enxergar a beleza que pode existir em um voo duplo. Cada fase da vida abriga determinada necessidade. Pede um tipo de voo diferente. Há momentos em que é possível realizar dois tipos de voo. Na maioria das vezes, uma coisa não anula a outra.

O voo solo ajuda a entender e escolher a melhor hora para um voo duplo. E a vontade de levar alguém para compartilhar um voo, uma estrada, uma música, uma paisagem, não acontece a toda hora. É algo raro. Difícil de detectar e às vezes, difícil de se deixar levar. É preciso, além de muita paixão, coragem.

A vontade de voo duplo começa nos olhos. Um ser cruza o olhar de outro ser em questão de segundos. O olhar instala magia, fascínio. Essa sensação movimenta o corpo e dá o comando; sugere atitudes. A proximidade provoca admiração. Em seguida, sintonia faz querer ficar mais perto. Na seqüência, troca de energia. Havendo potencial, a soma das energias resulta em felicidade. E mexe com hormônios: serotonina, dopamina, endorfina e noradrenalina… E cá entre nós, não temos o direito de ver a felicidade passar e não correr atrás, como disse um personagem de novela.

Assim, uma vontade enorme de viajar junto invade a alma: momento de vivenciar o voo duplo. Parceria, intimidade, cumplicidade. Enquanto no voo solo, atenção e olhar são totalmente voltados a observar e fotografar de acordo com um ponto de vista apenas – o nosso -, num voo duplo, observar e fotografar agregam nuances inusitadas.

É tudo novo. Um pouco de um ser misturado em outro pouco de outro ser. Dois olhares diferentes. Olhares que um dia se cruzaram, agora experimentam olhar na mesma direção. E quando olham em direções diferentes, preocupam-se em partilhar da beleza vista. Há novidades no enquadramento fotográfico. Um novo ritmo no caminhar.

E quando retornam do voo duplo, os dois seres se sentem mais completos, evoluídos. E como vale a pena! Experimente. Viaje com aquele ser que te faz feliz. Mas faça uma viagem diferente. Pode ser curta, pra perto mesmo. Mas não demore. A vida passa muito rápido. E escolha bem o lugar. Algo que combine com a história de vocês. Assim como cozinhar exige um ritual, viajar também contém nos preparativos uma forma de ritual, de prazer. Curta o antes, o durante e o que fica depois.

* que acredita no poder do voo duplo.


A inesgotável arte de desvendar lugares

Por Fernanda Nicz

Inverno no Brasil. Verão na Europa. Vontade de fugir prá perto do sol. Milhões de surpresas pra descobrir em cerca de 50 países. Difícil é escolher por onde ir. Por qual pedacinho da Europa iniciar e finalizar a viagem.

Há uns três anos, fiz exatamente isso: fugi para o calor europeu. Preparei um roteiro delicioso; Itália, Leste europeu e Grécia. Escolhi os albergues mais bem localizados. Baratos, descolados e que permitiam fazer o que mais prezo numa viagem: andança.

Primeira parada; Milão. Uns poucos dias ali, para mim, bastaram. Cidade interessante, mas não faz muito meu estilo. Na seqüência, um trem e, bem pertinho; Verona. Divina. Pequena, aconchegante. Muitos cafés, restaurantes, ruelas, bicicletas, casinhas, apartamentos e uma arquitetura digna de bons enquadramentos fotográficos. Quase nem incluída no roteiro, Verona revelou-se a grande surpresa da viagem. A mais linda. Cidade que dá vontade de prolongar a estada e o olhar. Quero mais. A dica de hospedagem, boa e barata, é o hotel Siena, na Via Marconi. Em frente, um ótimo restaurante de massas. Ali trabalha uma brasileira muito querida: Lúcia.

Mas sempre existe o momento de seguir. Sair de cena. Abandonar o presente. Faz parte da viagem, do show, da arte, da vida. Partir para o próximo presente: Veneza. Mais um trem, bem pertinho.

Única. Água demais, turistas demais, romance demais, beleza demais. Diziam que seria impossível hospedar-se em Veneza, mais fácil seria tentar alguma coisa em Mestre ou outro lugar próximo. Que nada. Ficamos em Veneza mesmo. No Hotel Caneva. Na janela do quarto; gôndolas em italiano. De dia; andanças sem rumo, à noite; massa e vinho e sim, um passeio de gôndola. Junte um pessoal querido e vá conhecer um pouco mais de Veneza por suas águas. Brega?? Com uma lua cheia enorme, calor e um gondoleiro engraçadíssimo, foi delicioso e divertido. Momento raro e necessário, ao menos uma vez na vida.

Outro trem. Adoro trens! Parada seguinte; Cinqueterre. Rústica. Simples e deslumbrante ao mesmo tempo. Cinco vilarejos num penhasco, quase intocados. Surreal. Sério, nunca vi nada igual. Descobri que precisava conhecer esse lugar em uma reportagem que falava das maravilhas pouco exploradas da Europa (e são tantas!).

Riomaggiore, Vernazza, Corniglia, Manarola e Monterosso. É possível percorrer as cinco terras a pé, de barco ou de trem. Mas conhecê-las a pé, por meio das trilhas na encosta do morro e da Via Del Amore, é uma aventura repleta de presentes no meio do caminho. Vale a pena. E vale a pena também experimentar o famoso vinho regional: sciacchetrà. E mergulhar em águas novas, quase transparentes, fazem um bem enorme à alma. Três noites em Cinqueterre foi pouco. Quero mais.

Enfim, consegui falar um pouquinho de uma pequena parte da viagem que comprovou meu desejo: quero mais. Quero conhecer todos os países europeus e me perder e me encontrar nas cidades menos visitadas, as mais lindas, mais longe, as menores, as silenciosas, as rústicas. Na lista: Cesky Krumlov (República Checa), Rovinj (Croácia), Bamberg (Alemanha), algumas cidades da Estônia, dos países nórdicos, etc.

Ah! E não quero morrer sem percorrer um dos maiores trajetos da Terra: Ir de Moscou a Pequim de Transiberiana. A maior de todas as viagens!

Nossa, e nem deu tempo de falar de Praga… até agora, a mais linda da Europa e do mundo, pra mim. Fato: me perco toda falando da Europa. Bom demais.

Fernanda Nicz que, em se tratando de Europa e principalmente de Itália, quer sempre mais.


Livro que te quero vida

* Por Fernanda Nicz

Viagem de cinema. Viagem literária. Viagem no tempo.
Viagem de alma ou de mente.
Amor pra viagem. Livro pra viagem. Livro pra fazer viagem.
Livro na bolsa. Livro na mão.
Livro pra passar o tempo. Pra esperar o ônibus. Pra esperar na fila.
Livro pra pensar na vida.

Paginas de pausa. Paginas de intervalo. Paginas marcadas.
Momento de descanso. De lazer. Horas de prazer.
Historias mundanas. Historias que inspiram.
Noticias de fora. Noticias da hora.

Porque resolvi dedicar o texto aos livros?
Todos sabem sua função e importância.
Sabem que um livro pode mudar a maneira de pensar de alguém ou mesmo mudar o rumo da vida de outro alguém. Ou servir de pretexto para se aproximar de um ser ou fazer admirar alguém.
Enfim, livros podem muitas coisas. Livros têm poder. Ou dão poder?
Não sei. O fato é que fazem divagar. E fazem bem à alma.
É possível saber muito de alguém ao entrar em contato com sua lista de autores favoritos.

Para refletir? Vá de Rainer Maria Rilke.
Quer uns sábios conselhos? Procure Rubem Alves.
Desvendar a sociedade? Michel Maffesoli certamente lhe servirá.
Quer ouvir de amor? Clarice Lispector, Pablo Neruda.
Filosofar sobre a vida? Fernando Pessoa ou Roland Barthes (um bem diferente do outro, mas ambos fascinantes)
E por aí vai.

São milhares. Contam tudo.
Delicia é descobrir novidades em livrarias ou relíquias em sebos.
Bom programa. Boas surpresas.

* que no momento está encantada com a beleza de fora e de dentro do livro “Afrodite”, de Isabel Allende


Instigar, verbo que faz viajar

* Fernanda Nicz

Combinação perfeita: entretenimento e reflexão. Dois ingredientes que garantem uma viagem prazerosa e proveitosa. Ninguém viaja por viajar simplesmente, apenas por ir. Há sempre uma intenção ou uma busca. Intenção de se divertir, se perder ou se encontrar, aprender e evoluir; conhecer.

Dentre os vários tipos de viagem, há uma que muito me encanta; a viagem proporcionada pelo cinema. Um filme europeu ou asiático, por exemplo, nos levam para cidades, culturas e costumes diferentes e enriquecem a alma. Filmes de qualidade nos tiram da realidade e da rotina (e isso é uma delícia!). O diretor chinês Wong Kar-wai é um dos que mais admiro. “Amor a Flor da Pele” é uma obra que faz viajar não apenas pela boa história contada, mas pelo visual e o sonoro. Cores e músicas pontuam a trama e ajudam a contar a história que aborda a traição nos relacionamentos amorosos.

“Cisne Negro”, que rendeu a Natalie Portman o Oscar de melhor atriz, propicia uma viagem psicológica arrebatadora e corajosa. Há neste filme uma viagem interior que vai ao âmago de questões como o bem e o mal, a força e a fraqueza levada ao limite tênue da loucura. Sim, o cinema pode fazer viajar internamente também.

Há ainda os filmes que nos dão vontade de saber mais. É o caso dos nacionais: “Meu nome não é Johnny” e “Vips” (em cartaz em Curitiba). Saímos do cinema curiosos e sedentos por mais informações acerca dos personagens e suas histórias. Ótimo, esta é uma das funções do cinema; instigar. Concordo com a afirmação de alguns críticos que dizem que os bons filmes não acabam quando as luzes se acendem. Bons filmes vão além do momento do filme; provocam, geram dúvidas, levantam questões, inspiram e sugerem novas idéias.

Um poeta já disse: “mais que entendê-la, é preciso adentrar a obra”. De fato, é preciso abandonar a neurose de entender cada detalhe de um filme. Para tanto, é necessário modificar o olhar e a postura diante da telona. Muitos espectadores, tão preocupados em entender, esquecem de sentir. Da próxima vez, faça assim: simplesmente vá e se permita viver a viagem proporcionada pelo diretor. O mais importante são as sensações que o filme provoca em você. As perguntas a serem feitas depois são: o que você sentiu diante do que viu? Mexeu com você de alguma forma? E por aí vai….

Finalizo com a frase do escritor francês Antoine de Baecque (autor do livro: “Cinefilia”) “Realmente não entendo tudo nos filmes que vejo. O que peço de um filme é o que me parece mais valioso: a chance de se perder em imagens do mundo”. Perfeito.

*Que está louca para conferir uma viagem que promete: o filme tailandês vencedor do Festival de Cannes “Tio Boonmee, que pode recordar suas vidas passadas”.


Na contramão

Por Fernanda Nicz

Não, definitivamente não gosto de Carnaval.

Relendo algumas de minhas crônicas antigas percebi que sempre nessa época do ano – que antecede o carnaval – minha alma pede, clama por um amor. Não amor de passagem, mas amor pra viagem. Meio surreal. Ou não?

Carnaval. Época em que todos – a maioria – querem muito. Querem mais. Época do exagero. Tudo pode. A loucura impera. Desejo à flor da pele. Malandragem e curtição. Ninguém é de ninguém.

No meio dessa grande festa, criada por seres trabalhadores e estressados, cansados da rotina e alguns, cansados de olhar e amar a mesma pessoa todos os dias, cá estou. Um ser na contramão, perdido em meio à multidão.

Músicas de estilos diferentes tocando ao mesmo tempo na altura máxima, gritos e buzinadas. É o caos. Ou não. Seres desesperados e sedentos acreditam que, em quatro dias, vão resolver suas vidas. E quando voltam, sim, tudo está lá, igual, esperando por eles. Mas ano que vem tem mais. E lá vão os seres. Dão uma aliviada de novo e voltam pra rotina. Maneira mais iludida de ser feliz, em minha opinião.

É triste perceber que alguns seres só conseguem ser feliz nessa época – não enxergam alegria no cotidiano. Não conseguem melhorar pequenos momentos da vida. Não acreditam que podem construir a felicidade diária ao lado da pessoa que escolheram para estar ao lado. Adiam. Aí nessa época explodem. É o momento da fuga.

Sim, Carnaval combina com diversão e fazer um intervalo na rotina só faz bem. Mas tem muita gente que ultrapassa qualquer limite do razoável e acaba invadindo o espaço alheio ou estragando algo de sólido que construiu ao longo da vida.

Mas onde quero chegar?

Quero dizer duas coisas. Primeira; o Carnaval é um feriado grande e para quem não curte muito a bagunça, como eu, tem muita coisa interessante acontecendo; retiros, viagens, etc. Vá na contramão, na boa. Pode ser um bom momento para descansar e colocar pensamentos e idéias em ordem.

A segunda coisa é bem pessoal, mas quero compartilhar aqui. Carnaval me dá vontade de namorar. Fazer programas e viagens a dois. Como disse no primeiro parágrafo, Carnaval bagunça minha alma, me deixa romântica. É bem estranho mesmo. Será que tem algo a ver com o fato de eu ter sido concebida no Carnaval? Talvez.

O fato é: mais do que em qualquer outra época do ano, sinto vontade de namorar de verdade. Um amor pra viagem. Não só viagem de Carnaval, mas viagem da vida. Sem pressa, delicado. Que me dê paz e segurança num abraço. Que me faça sentir mais leve e ao mesmo tempo mais forte. Cúmplice acima de tudo. Um amor de alma. Uau! Sinto-me Julieta. Totalmente fora de época. Na contramão.

Por Fernanda Nicz, com coração e alma agitados em meio à busca por um refúgio para o Carnaval.


Andanças

Por Fernanda Nicz

Amadurecer a alma. Seguir com calma. Escolher caminhos certeiros que agreguem e acrescentem. Em minha busca incansável por significados e razões que justifiquem a existência, acredito no amadurecimento da alma como um dos propósitos desta vida. Certo, e de que forma concretizar tal feito?

Num primeiro momento, observar detalhes de nossa rotina. É vazia, é alegre, é triste, é empolgante? Provavelmente é tudo isso junto. Afinal, um dia tem 24 horas e diferentes momentos e instantes e certamente nosso humor, olhar e disposição variam ao longo de cada dia. Interessante. Perceber emoções variadas e reações a elas é um bom exercício. Detectar o que nos faz feliz é fundamental. Sentir quando algo nos faz crescer ou entender melhor determinada situação. Deixar amadurecer a alma. Confiante e calmamente. Difícil, né? Não. Desafiador, talvez.

Escolher o que fazer, por onde andar, que caminho seguir, é desafiador. Entender a necessidade da andança também faz parte. Sinceramente, até hoje, raramente me preocupei em entender. Prefiro sentir. Não, não quero perder a emoção, muito menos a sensibilidade. Quero, sim, fortalecer minha alma. Ser forte o suficiente para saber o que agrega – amadurece a alma – e o que é em vão.

Deixar minhas andanças mais leves foi uma das mudanças que fiz recentemente e que muito agregou. Não ando mais de carro, agora só ando de bicicleta. Esta foi apenas a primeira atitude. Quero andar mais leve em todos os sentidos. Sei que não será fácil, mas é totalmente necessário. Leveza de alma. Esta é a principal busca. É preciso estar leve para amadurecer sutilmente. Aprender a respirar. Abrir mão do controle. Confiar no percurso da vida. Este é o meu principal desafio este ano.


Pequenos prazeres; presentes para o futuro

Por Fernanda Nicz*

Tem dias em que a mente não pára. Fica difícil organizar o pensamento. Dias de poesia. Dia de pensar e escrever diferente. Falar de tudo ao mesmo tempo, instigar. Permitem?

Tem dias que dá vontade de divagar. Devagar. Com tempo. Pequenos prazeres. Um passeio, um livro, um filme. Escolher a companhia. Parar o tempo. Tem outros dias que dá vontade de sumir. Não avisar ninguém, não deixar recado. Desligar o telefone, a televisão, o rádio. Escutar o vento. Seguir viagem. Não levar nada.

Tem dias de sorriso fácil. Dias de sol. Brilho que ilumina, faz feliz. Vários encantos. Tem também os dias de choro incessante. Dor no coração, sem exata razão. Imensidão. Noites de lua cheia. Insônia, insana.

Assim se seguem dias, tardes e noites; repletos das mais variadas emoções. Ao acordar e no fim do dia, tudo soa parecido. Sensação de estar sendo levada pela vida e não “levando a vida”. Percebeu algo assim? Sinal de alerta. Momento de parar e pensar, observar situações e perceber atitudes. Escolher o que fazer em cada momento de seus dias, tardes e noites. Mudar de atitude ao acordar e ver o tempo lá fora. De repente, mudar de emprego ou meio de transporte. Comprar uma bicicleta. Fazer um passeio de trem. Praticar yoga. Programar a próxima viagem. Conhecer um pouco mais as cidadezinhas próximas a Curitiba ou ir para longe por alguns meses e aprender outro idioma. Momento de vivenciar aprendizado é momento sagrado.

Às vezes demoramos a perceber que somos nós os responsáveis por escolher que prazeres viver ou não viver. Manter o corpo ativo hoje é um presente para um envelhecimento saudável. Manter a mente ativa e saber escolher pequenas atividades prazerosas trarão a sensação de plenitude. Sensação de ter feito tudo o que podia fazer de melhor para ser feliz em cada fase da vida.

Escolha seus pequenos prazeres – seus presentes futuros – e decrete o fim da rotina!

*Fernanda Nicz que agora tem uma bike e está louca para participar do passeio da Gondwana, dia 5 de dezembro.


Vôo necessário; vôo solo

 

foto: Fernanda Nicz

 

Por Fernanda Nicz*

No último texto falei da importância de presentear os olhos com o novo. Desta vez, trago à tona mais uma das minhas crenças. Acredito que é absolutamente fundamental que todo ser humano faça, ao menos uma vez na vida, um vôo solo. Não estou falando em vôo de asa delta. Refiro-me à riqueza propiciada àqueles que se permitem aventurar-se por terras desconhecidas apenas na companhia de si mesmo.

Confesso que já ensaiei várias vezes uma viagem dessas, mas sempre alguém ficava sabendo e resolvia ir também. Conclusão: tenho pensado muito no meu vôo solo. Será em breve. Será pra longe. Será longo. Parecido com um período sabático.

Mas afinal, qual a vantagem de viajar sozinho?

Conhecer melhor. Conhecer melhor os lugares, conhecer melhor as pessoas, conhecer melhor você. Pense; quando você está caminhando com alguém por ruelas desconhecidas, obviamente está entretido num bom papo e seus olhos perdem muito dos detalhes de cada lugar por onde passa. Sozinho, seus olhos se perdem à vontade. Você pára pra fotografar quando e por quanto tempo quiser. Sozinho, há menos distrações e é possível prestar atenção no que está acontecendo ao redor e dentro você. O momento é seu. Você é dono do seu tempo.

E para onde ir?

Quanto mais para longe for, maior será a perda de referências. E isso é ótimo. Quando você está sozinho, sem onde se segurar, você se conhece de verdade. É você e o mundo. A ecologista e antropóloga budista Joan Halifax afirma, em um de seus livros, que cada pedaço do mundo tem uma geografia própria, que pode ser usada para mudanças. Daí a importância da escolha do lugar. É importante escolher um local que só de pensar já te deixe empolgado. Mudanças boas virão.

O cronista Contardo Calligaris, em seu texto “O Amor e a viagem nos fazem descobrir que há algo em nós que não conhecíamos até então..”, cita um trecho de uma fábula de José Saramago que acredita melhor definir a sensação de um viajante. Um dos personagens diz assim: “Quero encontrar a ilha desconhecida. Quero saber quem eu sou quando nela estiver”. Ou seja, o personagem deseja descobrir como ele é quando se encontra longe de suas referencias, sua casa, suas coisas. E acredito que esta descoberta é fundamental na vida de todo ser humano.

Enfim, pense em como seria fazer um vôo solo. Não precisa ser pra tão longe nem por muito tempo. O fundamental é você se sentir bem e à vontade em sua própria companhia. Certamente será uma experiência única e transformadora.

*Fernanda Nicz que acredita que no próximo ano, enfim, realizará um vôo solo!


“Terras Estrangeiras”: presente para os olhos

Cinqueterre - Italia

Por Fernanda Nicz*

Acredito que estamos nesse mundo para presentear nosso olhar – além de evoluir. Presentear o olhar com o novo, o antes nunca visto. E ao pensar em presentear o olhar, penso em viagem. Viagens possibilitam o contato com o novo. Os olhos percorrem “terras estrangeiras”. A sensação é deliciosa. Ver o que nunca viu. Mudar de ambiente. Ver gente diferente. Mudando de ambiente, muda-se por dentro também. E mudança faz bem. No cotidiano perdemos a dimensão humana, viajando, despertamos o novo no olhar.

Pensando desta forma, percebo que de tempos em tempos, preciso abandonar tudo e ir. E adoro planejar os lugares e as cidades por onde andar, por onde me perder. É a minha maneira de quebrar a rotina e desacelerar o ritmo. Fazer um intervalo no meio do trabalho para pesquisar tudo sobre o próximo destino na internet, em livros ou guias. Ou ligar para aquele amigo que já passou por onde você pretende ir e marcar um café para ouvir as histórias que ele tem para contar.

Pausas assim são deliciosas e completamente necessárias, ao menos para mim. Afastar-se do trabalho e da rotina. Mudar o rumo. Sonhar um pouco antes de ver o sonho realizado. Criar o próprio destino. Não, a viagem não começa na estrada, mas dias antes, na mente. A cabeça começa a mudar a partir daí.

O mundo inteiro tem uma geografia própria que pode ser usada para mudanças; é por isso que viajamos. Precisamos renovar nós mesmos em territórios frescos. Viagens não são apenas para descansar e se divertir, podem ser também para encontrar o desconhecido ou encontrar a si mesmos. E, se o objetivo for este, para ser transformadora, a viagem deve proporcionar uma perda de referências porque é quando estamos assim, sem onde nos segurar (conforto), que sabemos quem realmente somos. O momento é só seu. Você, o mundo, teu olhar. E o que você vê, ninguém tira de ti. É seu para sempre.

A beleza de cada instante é enriquecida pela percepção de sua breve duração. Aí entra a contemplação. Ato maravilhoso de se demorar no olhar. Olhar sem pressa para gravar detalhes na memória e tornar eterno o momento. Afinal, a vida é feita de momentos e é nossa responsabilidade enxergar beleza neles. Um poeta já disse: “A beleza esta nos olhos de quem vê”.

Que venham então, muitas viagens, afinal, nossos olhos merecem!

*Fernanda Nicz que afirma e reafirma; presentear o olhar faz parte de seu projeto de vida.